Movido pela ansiedade cega de rever a mãe, Nicolás embarcou na viagem mais difícil de seus 12 anos de idade. Terminou o primário, deixou a casa da avó em Honduras para cruzar o México e tentar chegar a Houston, nos Estados Unidos, onde a mãe mora com o padrasto e um irmão de 4 anos que só conhece por fotos.
Enfrentou nove dias dormindo em cima do trem até parar em uma casa que apoia migrantes em Tultitlán, no Estado do México, a uma hora da capital. O resto do caminho seria de ônibus, acompanhado do avô, Edgardo, de 48 anos, que já cruzou a fronteira outras vezes, mas desta se assustou com o aumento dos perigos. Três conhecidos foram sequestrados por policiais e entregues a delinquentes.
Na subida pelo território mexicano, Nicolás - cujo nome é fictício, para proteger sua identidade, assim como os outros menores entrevistados nesta reportagem - diz ter encontrado outras crianças, muitas desacompanhadas. Elas formam um grupo peculiar dentro dos milhares de migrantes que buscam o sonho americano. São menores de idade movidos pela aventura ou pela vontade de rever os pais, vulneráveis às autoridades migratórias, extorsões e sequestros pelo crime organizado. Só no ano passado, 15.524 menores mexicanos foram repatriados pelos EUA - 11.519 deles viajavam sozinhos. O número dos que tentam, com nacionalidades e resultados diversos, deve ser bem maior.
- Quero uma vida nova - conta Nicolás ao GLOBO. - Sei dos perigos, mas já quero ver minha mãe, conhecer meu irmão e estudar. Falei com ela pelo telefone, e ela disse que não me preocupasse, que chegarei logo.
Uma jornada de 4.300 quilômetros
A história de Nicolás lembra o filme "Sob a mesma lua", sobre a migração aos EUA, temática recorrente no cinema mexicano. Mas, diferentemente do personagem Carlitos, que conta com a sorte e a ajuda de estranhos ao cruzar o México sozinho para ficar com a mãe, o final feliz de Nicolás não é certo. Ele deve vencer os 4.300 quilômetros de uma ponta a outra no México e, na fronteira, contar com a habilidade de um facilitador - os famigerados coiotes - que cobrou US$ 1.500 pela travessia. A coragem vem da saudade de sete anos da mãe. Aparentemente seguro na entrevista, no final o menino chorou ao receber um abraço e o desejo de boa sorte. Ele é uma criança com pesadelos reais, corpo franzino e sorriso ingênuo, que se lança num caminho árduo até para gente grande.
Crianças e adolescentes sempre migraram, mas se falava numa migração familiar, de parentes nos EUA que mandavam trazê-los, ou quando iam famílias completas. Mas os dados mostram que o número de menores empreendendo essa jornada sem um tutor legal já supera os que cruzam a fronteira com familiares. É uma migração laboral também, afirma Yolanda Silva Quiroz, do Colégio da Fronteira Norte do México (Colef).
Juan, de 16 anos, trabalhava como agricultor em Honduras, onde deixou o pai e duas irmãs para tentar um trabalho "em qualquer coisa" nos EUA. Sem familiares no país, chegou sozinho ao albergue de Tultitlán, no Estado do México, depois de 15 dias de viagem de trem. Sem contatos de coiotes, tentaria cruzar a fronteira por conta própria.
- Meu pai não queria que eu fosse, disse que é perigoso, mas até agora não aconteceu nada. Posso conseguir - contou o adolescente, que não falava com a família desde que saiu de Honduras. - Nos EUA há mais trabalho, mas quero voltar para Honduras depois de juntar dinheiro. Deus me protegeu até agora.
No mesmo dia, Rafael, hondurenho de 17 anos, chegou com amigos ao albergue de Tultitlán. Tímido, falava pouco e achava graça de tudo, como se não tivesse real noção do que vivia e do que poderia encontrar. Trazia a roupa do corpo e nada de dinheiro. Só comia quando parava em abrigos. Migrante de primeira viagem, ainda não tinha avisado aos pais em Honduras sobre seu paradeiro. Um casal de tios que vive em Nova York pagaria um coiote, mas Rafael só saberia detalhes quando chegasse à fronteira. Até lá, seguiria o caminho de trem, "pedindo a Deus que não aconteça nada".
Os menores centro-americanos são os mais vulneráveis na travessia. Já são considerados "ilegais" desde a entrada no México, mas seguem caminho com a motivação de superar a pobreza e violência em seus países. O maior medo, que poucos assumem, é ser detido por agentes corruptos de migração. Pensam nos EUA como "um país bonito com cidades e edifícios grandes" e veem a migração como uma experiência para recordar no futuro.
- São jovens, encaram como uma aventura. Existe também uma ingenuidade porque nada sabem sobre a fronteira, em parte porque os familiares não contam o que podem encontrar para não infundir o medo. Mas, muitos dos menores que terminam detidos e são levados a albergues dizem que não voltariam a tentar - explica Yolanda, que acompanhou as histórias de 115 menores migrantes devolvidos a um abrigo em Tijuana, no Norte mexicano.
A migração infanto-juvenil é um dos maiores desafios para o governo mexicano, incapaz de proteger tanto os menores nacionais como os estrangeiros - cerca de 5% da migração geral de adultos aos EUA. A maior crítica à gestão do presidente Felipe Calderón é de que se limitaria a atender os menores devolvidos pela patrulha fronteiriça, muitas vezes sem se assegurar de que voltem com segurança para casa. Nos abrigos, as condições de alojamento, alimentação, atenção médica e psicológica não seriam as melhores. A Lei de Migração, anunciada em 2011 pelo México, determina que os menores merecem proteção especial por parte das autoridades migratórias, mas não elimina outros riscos, como a ameaça de criminosos ou o clima desértico da fronteira. Entre os candidatos que disputam as eleições de 1º de julho, faltam propostas para os jovens migrantes. Os aspirantes à Presidência falam de maneira geral em maior atenção aos mexicanos no exterior e na aprovação de um acordo migratório com os EUA.
- É um tema longe da realidade americana neste momento. Para mudar isso, deveria haver um interesse dos EUA de consolidar uma integração continental que fosse além de um acordo de livre comércio. (O republicano Mitt) Romney já se mostrou contrário à abertura aos migrantes sem documentos. (O presidente Barack) Obama teria mais chances de avançar numa reforma, mas existe certa decepção com seu governo nesse campo, e seria necessário ver como seguiria a economia americana - analisa Elaine Levine Leiter, do Centro de Pesquisas sobre América do Norte da Universidade Nacional Autônoma do México.
Sem o apoio do poderoso vizinho, o próximo presidente mexicano terá obstáculos para resolver a situação. O mínimo a fazer será melhorar as condições internas para reduzir o número de mexicanos que cruzam a fronteira, e permitir aos estrangeiros de passagem pelo México sonhar com o mesmo tratamento que os mexicanos esperam receber nos EUA. Não é um caminho fácil, mas é menos tortuoso que a aventura migrante dos menores.